domingo, 2 de dezembro de 2007
EU, COM MEUS PRÓPRIOS PÉS DE BARRO
Eu, com meus próprios pés de barro
Cruzava então os continentes assombrados
Inclemente ao clamor dos elementos
Colhia flores para os meus heróis avaros
Meus iguais que dormiam sob a chuva
E nas copas das árvores que eu vergava
Benditos frutos entre sementes vegetando
Ásperos como a voz que os embalava.
Eu, como meus próprios pés de barro
Devastava as antigas tribos insulares
Devorando raízes e mitos sagrados
Congelando e tatuando a alma dos bravos
E dos sábios em moedas de ouro roubadas
Para forjar um país de amotinados.
Esse sonho era minha febre, e eu soprava
Como um deus exasperado sobre os vivos
O sopro que a mim mesmo eu recusava.
Eu, com meus próprios pés de barro
Regia esse escarcéu que me exilava
Mas o que era eu nesse tempo inventado?
O que impedia a queda tão esperada?
Eu queria acordar no meio da tarde
Ouvindo sons de risos ou de flautas
Que aplacassem a lenda onde eu reinava
Que revogasse a pena desses homens
plantas e bichos aos meus pés
Mas o barro do poema me enterrava.
FERNANDO ABREU