Entre sem bater...
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sábado, 27 de dezembro de 2008

cismo na leveza
e me sustento
poema e foto: antonio rezende

COMO ANTIGAMENTE

Viajar pelo Brasil é mergulhar na diversidade cultural. Ainda vou achar tempo para não viver de outra coisa senão disto: andar por este país imenso e tão rico culturalmente registrando peculiaridades do povo e dos lugares. Por enquanto, vou levando com desculpas esfarrapadas. Às vezes passo apressado, mas por onde ando reparo.

Tornou-se ainda mais ensolarada e lúdica aquela manhã de domingo quando a mulher de sombrinha e roupa antiga surgiu de uma esquina e danou a descer pelas acentuadas ladeiras de Ouro Preto - MG. Passinhos curtos e apressados, parecia deslizar sobre o calçamento reluzente.

Confesso que quis muito ver a face da andadeira vestida de acordo com a velha cidade, mas ela só descia e descia e descia, como se atraída por alguma urgência qualquer naquele embalo da controversa força magnética comum às ladeiras de Minas. Pra descer é fácil. Subir é que são elas.

Pensei em gritar um "Ei, das antigas!!!" sem nenhum acanhamento. Mas me contive por imaginar que talvez não fosse entendido por ela ou por quem mais atendesse ao chamamento. Sabe-se lá o que passa na cabeça de gente em manhã ensolarada de domingo na velha Ouro Preto.

Apressei o passo para me aproximar puxando prosa e caprichar num retrato. Mas, pensando no caminho de volta, desisti da empreitada. Resolvi me valer do "zum" de minha surrada máquina fotográfica. Para que afinal inventaram as lentes de aproximação? Fiz a foto e deu no que deu. Não vi a cara da dona da roupa que descia ladeiras como se flutuasse.

Restou aquela vontade danada de saber quem era a mulher da roupa que parecia andar sozinha, de tirar prosa com ela, de trocar um olhar seguro para saber, entre outras coisas, as razões daquele “desfile dominical”. É que depois fiquei sabendo, por informação de outras mulheres também vestidas como antigamente, que a “modelo” em questão não fazia propaganda de nenhum daqueles estúdios fotográficos que faturam dos turistas que queiram fazer fotos em trajes de época em cidades históricas.

Sim, Ouro Preto e outras cidades brasileiras têm estúdios que põem o sujeito bem ao estilo “tempo do ronca”, em fotos muitas vezes instantâneas e até digitais, mas envelhecidas como se saíssem de um velho baú de guardados. Tais estúdios despertam o interesse das pessoas usando modelos que se expõem nas esquinas, como se estivessem noutro tempo, completamente fora da moda atual. A estratégia, claro, é fisgar freguesia. E como funciona.

Mas isso nada tem a ver com o caso da dona que desceu a ladeira em trajes antigos e me despertou interesses. Como me disseram, "Ela é assim mesmo, uai! Todo domingo se veste desta maneira e sai passeando."

Agora tenho mais é que arranjar um desfecho para o texto que já me parece demasiado longo para uma página na Internet. E é justamente nesta hora que me ponho a pensar na necessidade de achar mais tempo para conhecer lugares como Ouro Preto e outras tantas cidades históricas, redescobrindo e registrando peculiaridades do povo e dos lugares do Brasil.

Um dia ainda acho esse tempo. E tomara que com capacidade e paciência para escrever traduzindo sensações como a de querer entender o que se passa na cabeça de alguém que se traja como antigamente e sai a andar como se flutuasse por ruas antigas e íngremes como as de Ouro Preto numa ensolarada e lúdica manhã de domingo.
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ANTONIO REZENDE, da série PROSA PARA FOTOGRAFIA
Publicado originalmente em http://www.claraonline.com.br/