Entre sem bater...
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quarta-feira, 22 de agosto de 2007

CONTEMPLO O TEMPO


contemplo o tempo
que já não me sobra
há dentro um templo
só de deuses mortos
de quanta fé fez-se
a ruína dessa obra?

acaso este deserto
que me encara
recebe de volta
outra miragem?

será que a sede
deste agreste
inundará de ventos
meus nordestes

apagando
meus rastros rostos
restos?

eu que já fui rês
pra toda corda
eu que já fui punhal
pra todo cabra
eu que já fui pau
pra toda cobra

o que serei
após esse deslinde?

coisa livre de fim
areia aos montes
disseminando dunas
e baías

finíssima lâmina
a teus pés
se contemplas o mar
e sonhas dissolver-te
nessa esfera

súbito
grão de areia
ao vento
turva a cena
e te desperta

prazer
de me afogar
nesse dilúvio
subatômico
-lágrima irritada
que teu olho verte

FERNANDO ABREU

foto: Rezende